Conta a parábola que um homem estava enfrentando muitos problemas em casa e que o ambiente por lá estava insuportável.
Todos ali tinham algum motivo para reclamar. Ele queria mais tranquilidade, sua mulher queria mais limpeza e organização, seus filhos queriam mais atenção...
O homem decidiu, então, levar suas reclamações a um amigo sábio, que o aconselhou a resolver o problema de jeito no mínimo estranho: "Encontre um bode não muito pequeno e o amarre no centro de sua sala de estar".
Como já havia feito de tudo para contornar as reclamações da família e nada havia dado resultado, o homem conseguiu o tal bode e o prendeu no centro da sala, para espanto de todos. Explicou que seria para resolver os problemas da família e sua mulher acabou concordando.
Sua sala era um tanto quanto pequena e a presença do bode por lá começou a causar certas dificuldades, a começar pela falta de espaço.
O bode esbarrou em alguns móveis e quebrou vários objetos de decoração que estavam por lá.
Também não demorou para que ele começasse a sujar a sala, fazendo suas necessidades ali mesmo. Não bastasse isso, o pobre bode exalava um cheiro não muito bom deixando o ambiente bem pouco agradável.
Após uma semana todos estavam odiando sua presença do bode na casa e o homem decidiu voltar a falar com seu amigo sábio, imaginando que havia perdido alguma parte de explicação, pois aquilo que deveria resolver os problemas da família estava causando ainda mais desconforto.
Mal explicou a situação e o sábio disse: "Retire o bode da sala, limpe o lugar e arrume tudo".
Mais uma vez sem entender nada, imaginando que havia perdido mais uma oportunidade de resolver os problemas da família, ele voltou para casa, desamarrou o bode, organizou e limpou tudo.
Quando chegaram em casa, sua mulher e filhos pareciam não acreditar no que viam. Todos vibraram ao saber que não teriam mais que conviver com o bode mal cheiroso e passaram a curtir a tranquilidade e o conforto da casa com enorme prazer.
Ninguém mais tinha do que reclamar. Nada parecia maior do que a lembrança dos problemas causados pelo bode. A harmonia passou a reinar naquela família.
Moral da hostória
Essa parábola é uma alegoria que revela uma estratégia (a estratégia do bode na sala) amplamente utilizada por empresas e governos.
Diante de um problema e da impossibilidade de resolvê-lo, frequentemente a opção é por arrumar um problema maior, causar ainda mais mal estar e depois eliminá-lo, de modo que todos fiquem felizes pela superação do problema maior (criado artificialmente) e se esquecem do problema menor, que não chegou a ser resolvido.
Exemplos de usos da estratégia do bode na sala por governos e políticos
Para a provação de leis impopulares. Um governo pode propor um pacote de medidas legislativas extremamente polêmicas, incluindo várias mudanças que causam grande descontentamento popular. Entre essas mudanças, pode haver uma medida que o governo realmente quer aprovar. Depois de intensa oposição e protestos, o governo retira as medidas mais polêmicas, mas mantém a que realmente era do seu interesse. A população, aliviada pela retirada das propostas mais controversas, aceita a outra medida com menor resistência.
Desvio de atenção para crises artificiais. Em momentos de crise política ou econômica, governos ou políticos podem criar ou exagerar um conflito externo (com outro país, com grupos internos, ou com a mídia). Esse conflito serve como uma forma de desviar a atenção da população dos problemas reais, como corrupção, má gestão econômica ou políticas impopulares.
Exagero de problemas para fazer concessões mínimas parecerem grandes vitórias. Um governante pode deliberadamente agravar um problema, como cortes de benefícios ou aumento de impostos, para depois fazer uma pequena concessão (como redução parcial do corte ou um reajuste mínimo) e apresentar isso como uma grande vitória para a população.
Exemplos de usos da estratégia do bode na sala por empresas
Preços inflados para lançamentos. Muitas empresas de tecnologia lançam novos produtos com preços significativamente altos, gerando reclamações do público e dos críticos. Posteriormente, elas oferecem "descontos" ou modelos mais baratos, fazendo com que esses preços ainda altos pareçam mais acessíveis em comparação com o valor inicial.
Ofertas de pacotes complexos. Operadoras de telecomunicações oferecem pacotes de serviços de telefonia, internet e TV com muitos extras que parecem vantajosos, mas que no fim acabam sendo caros e complexos. Após muitas reclamações de clientes, essas operadoras oferecem pacotes "simplificados" ou com menos serviços, apresentando-os como uma concessão à demanda popular.
Redução de tamanhos sem alterar preços. Empresas do setor de alimentos podem reduzir o tamanho ou a quantidade de seus produtos mantendo o preço original. Isso gera uma insatisfação inicial nos consumidores. Mais tarde, essas empresas podem lançar promoções oferecendo “mais produto pelo mesmo preço” (mesmo que seja apenas a quantidade original), fazendo com que os consumidores sintam que estão recebendo uma vantagem.
Aumentos de preços seguidos por pacotes mais acessíveis. Empresas de streaming aumentam periodicamente os preços de seus planos, gerando insatisfação nos usuários. Depois, lançam novos pacotes, como planos familiares ou com publicidade, que são mais baratos, levando os clientes a optar por essas opções "menos ruins", embora ainda representem um aumento em relação ao preço original.